20/11/11
por Luiza Elizabeth
Eu, de minha janela observava tudo.
Naquele quintal de terra batida, cada vez que o vento soprava, uma terra
vermelha levantava e a menina passava as mãos pelos olhos tentando enxergar
através da poeira.Dava-me a impressão que esperava alguém.Nos braços carregava
apertada junto ao peito a boneca de pano com a qual eu sempre a via brincar.
Só que aquele dia, parecia que a
menina não estava disposta a dividir folguedos com a pequena bruxa de farrapos.
Outrossim,parecia que precisava dela como um consolo, como uma amiga,alguém que
a salvasse de um perigo eminente.
De repente, da porta do barraco
surge sua mãe, lenço na cabeça, pés descalços, e seu prato de comida na mão. Eu
já havia me acostumado àquela cena.Suas refeições sempre eram feitas ali, no
terreiro , debaixo de uma mangueira,como se fosse um cãozinho.Ela não se fazia
de rogada. Devorava tudo o que havia no prato em questão de segundos e eu nunca
consegui ver do que se tratava. Só sei que depois, ela brincava com a boneca e
adormecia até o entardecer...
Mas aquela tarde foi diferente. A
menina não dormiu. Continuou sentada, ao lado da tigela vazia com sua boneca
quase esmagada contra o peito infantil de menina, onde despontavam mamilos
precoces anunciando uma puberdade vindoura. Por vezes lhe causava estranheza
aqueles caroços crescendo,aquelas “bolotinhas” esquisitas,e se assustava
imaginando se um dia seriam enormes como as de sua mãe.
De repente ouviu o barulho de
cascos e um velho desceu de um cavalo preto lindo, enorme, em frente à casa, gritando o nome de sua mãe.Era um velho
feio, barbudo, calçando alpercatas,vestindo uma calça de couro como ela vira
uma vez nos cangaceiros assassinos das
estradas do sertão. Mascava alguma coisa e sua camisa aberta mostrava um peito
peludo e uma barriga pendurada por cima do cinto.Ela sentiu medo e nojo.
Encolheu-se mais ainda contra sua amiga de pano.
Sua mãe apareceu na porta,
limpando as mãos na saia suja estampada. Cumprimentou o velho com um simples
balançar da cabeça e estendeu a mão magra e suja de carvão.A cabeça baixa
fitava o chão e os próprios pés.O velho aproximou-se e entregou-lhe um saco de
notas que tirara do bolso da calça. “-Onde está a mercadoria?”, perguntou o
velho sem rodeios. “Debaixo da árvore.” Respondeu a mulher, apontando para a
menina, que olhava para o que acontecia sem nada entender. “-Mas quase não tem carnes!”, contestou o velho. “Mas acabou de fazer
treze anos!”, replicou a mãe. O velho coçou a barba suja, foi em direção à
menina e com apenas um braço colocou-a em seu cavalo preto deixando para trás
somente poeira, alguns vinténs e mais espaço no barraco .
Quarenta anos se passaram. Não
moro mais no sertão, não existem mais cangaceiros, mas nunca esqueci aquela
menina, sem carnes, com peitinhos ameaçando crescerem e aquele velho sujo com
seu corcel negro, faminto por uma presa de carnes novas. Foi assim que os
enxerguei e aquela tarde, vomitei muito...
Hoje, moro na cidade grande. Estou
novamente na minha janela (é a minha diversão). E da casa pobre em frente a
minha, do meu bairro na periferia, sai novamente uma menina. Deve ter a mesma
idade daquela outra,porém, esta, usa calças justas e um top, mostrando o corpo
pré adolescente.Junto com ela está a mãe.Mulher simples,trabalha duro, pelo que
sei, para sustentar os muitos filhos que já pariu.
Poucos minutos depois, se
aproxima das duas uma caminhonete preta cabine dupla, último tipo. A mãe,
rapidamente abre a porta para a menina, que se aboleta displicentemente no
banco da frente depois de um rápido beijo no rosto do velho barbudo de camisa aberta,
mostrando o peito cabeludo e a barriga saliente por cima do cinto... Será que
vomito outra vez ou posso denunciar como estupro?
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