Vingar-se ativa a região do
cérebro responsável pelo prazer da recompensa
Por Paula Neiva
Não adianta negar.
Sentir-se vingado dá muito prazer. Poucas pessoas traduziram essa satisfação
com tanta propriedade quanto o escritor italiano Giacomo Leopardi (1798-1837):
"O sentimento de vingança é tão prazeroso que, muitas vezes, o homem
deseja ser ofendido apenas para poder se vingar."
Pois bem, o que era
experiência pessoal ou consideração filosófica acaba de receber o respaldo da
ciência. Pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, mostraram que,
quando uma pessoa testemunha a punição de outra que ela julga que lhe fez mal,
tem acionada a mesma região cerebral responsável pelo sentimento de recompensa.
Trata-se do núcleo caudado, uma das porções mais profundas do cérebro. É ele
que entra em atividade, por exemplo, quando um funcionário recebe o elogio do
chefe por ter desempenhado bem uma tarefa.
Para
chegar a essa conclusão, os estudiosos suíços contaram com a participação de
trinta homens. O grupo foi dividido em quinze duplas. A cada uma foi proposta
uma brincadeira que deveria contar com a colaboração mútua entre os dois
jogadores.
No entanto, ela dava brechas para que um pudesse passar o outro para
trás. Nesse caso, a vítima da trapaça poderia se vingar do adversário. Na
maioria das vezes, os enganados optaram pelas punições mais severas.
Imediatamente depois que os vingadores se decidiam pelo castigo a ser aplicado,
eles eram submetidos a um exame de tomografia por emissão de pósitrons, o PET,
capaz de captar imagens do cérebro em pleno funcionamento.
Foi então que os
pesquisadores identificaram a região cerebral ativada pelo prazer obtido com a
vingança. Um dado curioso é que, em pacientes vítimas do transtorno
obsessivo-compulsivo, o núcleo caudado registra também mais atividade. Isso
pode indicar que a relação entre vingança e obsessão, mais do que mote
literário, é orgânica.
Muitas páginas foram escritas com a tinta da vingança.
Dentre as mais terríveis (e belas), estão as que compõem a tragédia Medéia, do
grego Eurípides. Nela, a feiticeira Medéia vinga-se da traição do herói Jasão,
seu marido, matando os dois filhos que teve com ele. Jasão ainda tem de
suportar a visão de Medéia desfilando num carro alado, levando os cadáveres das
crianças.
A vingança foi e permanecerá um tema recorrente na arte e na
literatura porque, como se demonstra agora, é algo inerente à psique humana.
Coube ao processo civilizatório restringi-la e normatizá-la. Um dos primeiros
registros dessa normatização é o Código de Hamurabi, que vigorou na Babilônia,
por volta do ano 1700 antes de Cristo. Nele constava o que viria a ser chamada
de lei de talião. Do latim talis, a palavra talião quer dizer "tal
qual". A lei tornou-se famosa pela máxima "olho por olho, dente por
dente". Ou seja, a punição deveria ser proporcional ao crime cometido.
"Antes era lícito que uma pessoa que se sentisse lesada se vingasse da
maneira que bem entendesse", diz o advogado Hélcio Madeira, professor de
história do direito da Universidade de São Paulo.
Com o surgimento do Estado
moderno, a vingança, no que se refere aos casos em que estão em jogo a vida e a
propriedade, sai da esfera absolutamente individual e começa a ser exercida
pela sociedade, sob a forma de penas definidas em códigos minuciosamente
negociados. Ela ganha, então, o nome de Justiça.
A vingança na sua forma mais
arcaica passa a ser vista como uma "justiça selvagem", para usar o
termo cunhado pelo filósofo inglês Francis Bacon, no século XVI. Em países em
que o tecido social está esgarçado e o Estado é fraco ou inexistente, o
sentimento se manifesta em sua forma mais crua.
O povo sente-se legitimado a
punir ele próprio aqueles que julga transgressores do bem social maior, não
raro com selvageria. Foi o que ocorreu na Itália logo após a derrocada do
fascismo, em abril de 1945. O ditador Benito Mussolini e sua amante Clara
Petacci foram executados sem julgamento e seus corpos, pendurados pelos
calcanhares na Piazza Loreto, em Milão, para delírio de uma multidão
enraivecida.
De um ponto de vista civilizado, mesmo o maior monstro tem direito
a escapar da "justiça selvagem". Veja-se o exemplo do ex-presidente
sérvio Slobodan Milosevic. Desde 2002, ele está sob julgamento do Tribunal
Internacional de Haia, na Holanda. Responde por 66 acusações de genocídio nos
Bálcãs, crimes contra a humanidade e violações das leis de guerra. Se os que
sobreviveram às atrocidades perpetradas por Milosevic pudessem vingar-se
pessoalmente, é muito provável que ele sofresse o mesmo fim de Mussolini e sua
amante. Isso não ocorreu porque a civilização conseguiu sobrepor-se à
selvageria. Tal é, no fundo, a maior vingança contra um carniceiro como
Milosevic.
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