28/04/2012

O doce sabor da vingança





Vingar-se ativa a região do
cérebro responsável pelo prazer da recompensa



Por Paula Neiva

Não adianta negar. Sentir-se vingado dá muito prazer. Poucas pessoas traduziram essa satisfação com tanta propriedade quanto o escritor italiano Giacomo Leopardi (1798-1837): "O sentimento de vingança é tão prazeroso que, muitas vezes, o homem deseja ser ofendido apenas para poder se vingar."

Pois bem, o que era experiência pessoal ou consideração filosófica acaba de receber o respaldo da ciência. Pesquisadores da Universidade de Zurique, na Suíça, mostraram que, quando uma pessoa testemunha a punição de outra que ela julga que lhe fez mal, tem acionada a mesma região cerebral responsável pelo sentimento de recompensa. Trata-se do núcleo caudado, uma das porções mais profundas do cérebro. É ele que entra em atividade, por exemplo, quando um funcionário recebe o elogio do chefe por ter desempenhado bem uma tarefa.

Para chegar a essa conclusão, os estudiosos suíços contaram com a participação de trinta homens. O grupo foi dividido em quinze duplas. A cada uma foi proposta uma brincadeira que deveria contar com a colaboração mútua entre os dois jogadores. 
No entanto, ela dava brechas para que um pudesse passar o outro para trás. Nesse caso, a vítima da trapaça poderia se vingar do adversário. Na maioria das vezes, os enganados optaram pelas punições mais severas. Imediatamente depois que os vingadores se decidiam pelo castigo a ser aplicado, eles eram submetidos a um exame de tomografia por emissão de pósitrons, o PET, capaz de captar imagens do cérebro em pleno funcionamento. 
Foi então que os pesquisadores identificaram a região cerebral ativada pelo prazer obtido com a vingança. Um dado curioso é que, em pacientes vítimas do transtorno obsessivo-compulsivo, o núcleo caudado registra também mais atividade. Isso pode indicar que a relação entre vingança e obsessão, mais do que mote literário, é orgânica.


Muitas páginas foram escritas com a tinta da vingança. Dentre as mais terríveis (e belas), estão as que compõem a tragédia Medéia, do grego Eurípides. Nela, a feiticeira Medéia vinga-se da traição do herói Jasão, seu marido, matando os dois filhos que teve com ele. Jasão ainda tem de suportar a visão de Medéia desfilando num carro alado, levando os cadáveres das crianças. 

A vingança foi e permanecerá um tema recorrente na arte e na literatura porque, como se demonstra agora, é algo inerente à psique humana. Coube ao processo civilizatório restringi-la e normatizá-la. Um dos primeiros registros dessa normatização é o Código de Hamurabi, que vigorou na Babilônia, por volta do ano 1700 antes de Cristo. Nele constava o que viria a ser chamada de lei de talião. Do latim talis, a palavra talião quer dizer "tal qual". A lei tornou-se famosa pela máxima "olho por olho, dente por dente". Ou seja, a punição deveria ser proporcional ao crime cometido. "Antes era lícito que uma pessoa que se sentisse lesada se vingasse da maneira que bem entendesse", diz o advogado Hélcio Madeira, professor de história do direito da Universidade de São Paulo.


Com o surgimento do Estado moderno, a vingança, no que se refere aos casos em que estão em jogo a vida e a propriedade, sai da esfera absolutamente individual e começa a ser exercida pela sociedade, sob a forma de penas definidas em códigos minuciosamente negociados. Ela ganha, então, o nome de Justiça. 

A vingança na sua forma mais arcaica passa a ser vista como uma "justiça selvagem", para usar o termo cunhado pelo filósofo inglês Francis Bacon, no século XVI. Em países em que o tecido social está esgarçado e o Estado é fraco ou inexistente, o sentimento se manifesta em sua forma mais crua. 

O povo sente-se legitimado a punir ele próprio aqueles que julga transgressores do bem social maior, não raro com selvageria. Foi o que ocorreu na Itália logo após a derrocada do fascismo, em abril de 1945. O ditador Benito Mussolini e sua amante Clara Petacci foram executados sem julgamento e seus corpos, pendurados pelos calcanhares na Piazza Loreto, em Milão, para delírio de uma multidão enraivecida. 

De um ponto de vista civilizado, mesmo o maior monstro tem direito a escapar da "justiça selvagem". Veja-se o exemplo do ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic. Desde 2002, ele está sob julgamento do Tribunal Internacional de Haia, na Holanda. Responde por 66 acusações de genocídio nos Bálcãs, crimes contra a humanidade e violações das leis de guerra. Se os que sobreviveram às atrocidades perpetradas por Milosevic pudessem vingar-se pessoalmente, é muito provável que ele sofresse o mesmo fim de Mussolini e sua amante. Isso não ocorreu porque a civilização conseguiu sobrepor-se à selvageria. Tal é, no fundo, a maior vingança contra um carniceiro como Milosevic.

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