23/03/2012

A carta



 

A família Rossini vivia em extrema pobreza. A luta de Yussef para alimentar os quatro filhos e a esposa Samia parecia inócua. Aquele país, que um dia fora cartão postal para turistas e que para uns poucos ainda significava luxo e riqueza, para a família Rossini só representava pobreza e desilusão. Mas ele não perdia a esperança, morreria lá, onde nasceram os seus ancestrais.

Foi a tristeza do pai e a fome dos irmãos que estimulou Mamede Rossini, seu primogênito, a tentar a vida em outro país. Um lugar sem guerras,sem desertos áridos e acenando com a possibilidade de prosperidade.
Foi com o coração partido que o jovem Rossini abandonou a Terra natal, a família e, principalmente o pai, que tanto amava. Veio para o Brasil. Não sem antes fazer ao amado pai uma promessa:A de que assim que se tornasse um homem rico, mandaria dinheiro suficiente para que o mesmo pudesse comprar uma casa descente, confortável e pudesse viver dignamente .

Aqui chegando, Mamede, como todo imigrante, entregou-se ao trabalho duro. Ele tinha um objetivo, uma meta  a ser alcançada.Não havia abandonado sua família, seus costumes, tudo enfim,para nada.
Homens da Terra de Mamede casavam-se jovens. Casamentos prometidos desde a infância, mas, ele mesmo não tinha nenhuma jovem deixada para trás, a quem tivesse que se unir. Mas aqui chegando, constituiu família ao apaixonar-se perdidamente por uma brasileira, mulher de muitos encantos, que logo se tornou a mãe de seus vários filhos.

A vida da nova família Rossini no Brasil prosperava. Graças a muito trabalho, o jovem Rossini conseguia criar os filhos, dar-lhes conforto e uma boa educação. Seu grande sonho era ver os filhos formados, doutores, com suas próprias famílias, e mesmo distante, mantendo as tradições da Terra distante, da qual, por vezes, ainda sentia uma saudade nostálgica e doída.

Matava a saudade através das cartas. Cartas essas que esperava ansioso a cada mês e que abria vorazmente, ávido por notícias do pai, da família e dos amigos deixados para trás, no passado.
Eram essas cartas que o acalentavam e faziam-no reafirmar dentro de si a promessa feita ao velho pai: O dinheiro que mandaria para que ele comprasse a casa...

Mas as coisas não eram fáceis. Ao final de cada ano, os trocados que lhe sobravam após pagar pela educação dos filhos e as necessidades da família, não eram suficientes para enviar o prometido para o pai.
A família de Mamede Rossini no Brasil vivia uma vida modesta, mas honrada. Mas ele não conseguiu ficar rico! Quando viu todos os filhos formados, Mamede pensou:
 “Agora posso realizar o sonho de meu pai de ter um lar decente!”

Faz parte da cultura de alguns países, comunicarem a morte de algum parente muito próximo, através de cartas contendo uma tarja negra no envelope, em sinal de luto.
Um dia, ansioso como sempre, Mamede, verificou a correspondência, esperando notícias do pai, que ele sabia através de cartas anteriores, encontrava-se muito enfermo.

A carta continha uma tarja negra e Rossini não teve coragem de abri-la. Seu coração apertado e sua intuição lhe diziam que a notícia que mais temia estava contida naquele envelope. Deixou-a sobre um móvel na sala, fechada, muda!

E ela lá está, no mesmo lugar, até hoje, após vários anos, despertando a curiosidade da família, agora numerosa, em torno daquela carta lacrada, nunca aberta. Certo dia, não contendo a curiosidade habitual de toda criança, um de seus netos perguntou: -“Porque nunca abriu essa carta vovô?”
Com o olhar triste e distante, o velho Rossini responde ao neto, com certa amargura:
 “- Porque não consegui cumprir a promessa que fiz a meu pai...”, 

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